Rede estadual de Sergipe tem 657 alunos com autismo matriculados no ensino regular

Sergipe

04.04.2022

Dois de abril marca o Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo, momento oportuno para debater o tema na perspectiva da inclusão e promoção de oportunidades de aprendizagem para os estudantes matriculados na Rede Pública Estadual de Ensino com o Transtorno de Espectro Autista (TEA). Essa condição de saúde consiste em um distúrbio do neurodesenvolvimento, caracterizado por desafios em habilidades sociais, comportamentos repetitivos, fala e comunicação não-verbal. Entretanto, terapias adequadas a cada caso podem auxiliar essas pessoas a melhorar sua relação com o mundo.

Estudos apontam que quase 1% da população tem algum Transtorno do Espectro Autista. No Brasil isso pode significar algo em torno de 1,9 milhão de pessoas.  Segundo o Censo Escolar, em 2021 a Rede Estadual de Ensino de Sergipe tinha 657 alunos com TEA matriculados. Carlos Eduardo Viana de Deus, aluno do 7º ano do Colégio Estadual Jornalista Paulo Costa, localizado no bairro Bugio, em Aracaju, é um deles.

Durante uma viagem em família, a mãe de Carlos, Albanis Viana Borges de Deus, escutou da madrinha do garoto a seguinte pergunta: “Você não acha que Carlos fica muito afastado das pessoas?”. A resposta da genitora foi positiva, e o diálogo foi conduzido com a participação de uma outra amiga de Albanis Viana, a partir da sugestão de procurar um especialista, neste caso, uma neurologista. A primeira porta que a mãe de Carlos Eduardo entrou para investigar o que justificava a distância da criança com as demais pessoas de seu entorno foi o Hospital Universitário Professor João Cardoso Nascimento Júnior, situado no bairro Palestina, em Aracaju.

“Na viagem que fizemos a madrinha de Carlos observou que ele ficava muito afastado das pessoas. Tinha uma outra amiga nossa que falou que eu procurasse uma neurologista, então fomos até o Hospital Universitário e tudo começou com as fonoaudiólogas. Elas encaminharam para a neurologista, que deu o diagnóstico de autismo”, relatou Albanis Viana. Foi dessa forma que, aos 4 anos de idade, Carlos Eduardo recebeu o diagnóstico de Transtorno de Espectro Autista, além de altas habilidades para a criação de biscuit com massa de modelar. 

Daí em diante Albanis Viana percorreu escolas da rede privada em busca de atendimento adequado para o filho, mas várias portas se fecharam, pois a criança demandava esforços que as unidades de ensino em questão não tinham, e isso marcou para sempre a vida da família. “De lá até aqui o que mais nos marcou e que dói até hoje foi a situação das escolas. Foi como receber uma paulada nas costas quando apenas com dois dias de aula, do nada, me chamaram para uma reunião e disseram "seu filho não pode ficar aqui, ele não tem capacidade de ficar porque é uma criança insuportável". Isso para mim é algo que não esqueço nunca; é muito doloroso para uma mãe. Meu mundo é o dele, onde ele está é comigo. A vida dele sou eu”.

Acolhida e Inclusão

Depois dessa peregrinação na rede privada, Albanis Viana encontrou na Rede Pública Estadual de Ensino um lugar que acolheu a condição de saúde de Carlos Eduardo pela primeira vez. Ele foi matriculado na Escola Estadual São Cristóvão, localizada no bairro Grageru, onde estudou até o último ano ofertado pela unidade. Em seguida, foi matriculado no Colégio Estadual Jornalista Paulo Costa, no bairro Bugio, onde hoje estuda o 7º ano.

“Hoje eu me sinto muito aliviada porque quando você chega a uma porta de escola e leva um não é como levar um tapa na cara. Quando fomos acolhidos pela Escola Estadual São Cristóvão foi aquela alegria imensa, como se tivéssemos nascido de novo. É tão bom ver ele se arrumar e dizer que vai para a escola”, contou Albanis Viana.

Nas duas unidades de ensino, Carlos Eduardo recebeu Atendimento Educacional Especializado (AEE), por meio das salas de recursos multifuncionais que desempenham a função de promover a inclusão e a socialização dos estudantes com autismo e outras condições de saúde. A chefe do Serviço de Educação Inclusiva (Seinc) da Seduc, Lilian Alves, explica: “Muitos dos estudantes com a condição do autismo têm uma certa dificuldade de estarem em ambientes de muita circulação de pessoas, onde há muita conversa ou que existem muitos movimentos. A sala de recursos atua de forma complementar ou suplementar à sala de ensino regular, e no caso dos estudantes com autismo, esse trabalho é iniciado justamente a partir do processo de inclusão no sistema escolar, com todo o movimento que ele traz, ajudando o estudante a se encontrar e se sentir acolhido dentro desse ambiente”, disse.

Salas especializadas

No total, a Rede Pública Estadual de Educação é composta de 124 salas de recursos multifuncionais; 192 professores com especialização no atendimento educacional especializado; 36 profissionais de apoio escolar I, que atendem a 144 alunos; e 114 profissionais de apoio escolar II, que atendem a 204 alunos. A professora Gilda Correia dos Santos é psicopedagoga com formação no Atendimento Educacional Especializado, responsável pela sala de recursos da unidade de ensino Paulo Costa, e é quem atende, dentre outros jovens e crianças, o estudante Carlos Eduardo.

A professora Gilda Correia ressalta que o Transtorno do Espectro Autista é complexo e exige do profissional muita busca e interesse para atender de forma adequada ao aluno com essa condição. “Quando o estudante é motivado e incentivado, ele consegue aprender. O autismo não significa que ele não vai aprender. Pelo contrário, ele vai aprender do jeito e no tempo dele, e nós precisamos respeitar o tempo desse estudante. É necessário observar o momento de avançar ou o de regredir um pouco porque quando regredimos com esse aluno sabemos que vamos ganhar lá na frente em termos de aprendizagem”, disse.

Há 18 anos como profissional da educação e metade desse período com dedicação exclusiva para o atendimento especializado, a pedagoga já identificou na unidade Paulo Costa um aluno com altas habilidades, que posteriormente recebeu o diagnóstico do autismo após a professora Gilda Correia indicar para a mãe do jovem uma consulta médica a fim de cessar a suspeita.

“Os professores da sala de ensino regular me procuraram para contar sobre o comportamento do aluno David Willis, principalmente pela ausência de concentração na aula. Fui à pasta de matrícula e não constava informação sobre qualquer condição de saúde. Então entrei em contato com a mãe dele e conversamos bastante. Fiz isso e expliquei que a professora do AEE não consegue trabalhar sozinha. É um exercício em família. Assim, ela começou a relatar atitudes que ela considerava diferentes das habituais, mas achava que iriamm passar. Dessa forma, encaminhamos David para o Centro de Referência de Educação Especial, e o diagnóstico de autismo foi confirmado. Hoje, David Willis é aluno da 1ª série do Ensino Médio e avança cada vez mais na aprendizagem, além de ter altas habilidades no desenho”, relatou.

O trabalho de mobilização em busca da aceitação e inclusão nas escolas é fundamental. No ambiente escolar, a professora Gilda Correia tenta mobilizar do porteiro ao pessoal de apoio. “Eu sempre fui uma pessoa pacata, mas depois da Educação Especial eu me tornei mais ativa, de correr atrás; mostrar que todos eles são capazes e que aprendem do jeito e no tempo deles. Sempre faço mobilizações porque eles precisam ser vistos”.

Formação contínua

A Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (Seduc), a partir da execução do Serviço de Educação Inclusiva, oferta formação continuada aos professores do Ensino Regular e das salas de recursos multifuncionais, cujas trilhas formativas trazem o Transtorno do Espectro Autista como um dos temas, pois prover a disseminação do conhecimento sobre o autismo e suas especificidades é de fundamental importância no atendimento educacional de qualidade a esse público.

Além da oferta de formações, a Seduc promove processo seletivo simplificado para contratação de Profissionais de Apoio Escolar I e II para prover o atendimento aos estudantes público da Educação Especial que necessitam de apoio no âmbito da alimentação, higiene, locomoção (Apoio Escolar I) e atuação em todas as atividades escolares, e para aqueles que não realizam atividades pedagógicas com independência, conforme as especificidades apresentadas pelo estudante nos ensinos fundamental e médio (Apoio Escolar II).