STF debate ensino religioso em escolas públicas

Ensino Religioso

16.06.2015

O Supremo Tribunal Federal (STF) promoveu audiência pública, nesta segunda-feira (15/06), para discutir o ensino religioso em escolas públicas. O tema da audiência pública é abordado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR), e que questiona o ensino religioso confessional – aquele vinculado a uma religião específica nas escolas da rede oficial de ensino do país. A PGR defende que o ensino religioso deve ser ministrado de forma laica, sob um contexto histórico e abordando a perspectiva das várias religiões.

Ao justificar a necessidade de discussão mais ampla sobre o tema, o ministro-relator Luís Roberto Barroso afirmou que “tais questões extrapolam os limites do estritamente jurídico, demandando conhecimento interdisciplinar a respeito de aspectos políticos, religiosos, filosóficos, pedagógicos e administrativos relacionados ao ensino religioso no país”, para ouvir representantes do sistema público de ensino, de grupos religiosos e não religiosos e de outras entidades da sociedade civil, bem como de especialistas com reconhecida autoridade no tema.

 “A vida civilizada aspira ao bem, ao correto e ao justo. Há pessoas que buscam orientação nesse caminho em princípios religiosos, pessoas que o buscam na filosofia moral, outros procuram combinar as duas coisas – a verdade revelada e a ética – e há outras muitas pessoas que professam um humanismo agnóstico ou ateu. A verdade é que verdade não tem dono. O que precisamos fazer é encontrar meios de convivência respeitosa e tolerante com quem pensa diferentemente”, disse o ministro ao interromper os debates para o intervalo de almoço.

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação – Consed, Eduardo Deschamps, utilizou o tempo para apresentar um panorama do cenário atual do ensino religioso a partir da ausência de diretrizes curriculares nacionais; da Função social da escola pública referente ao Ensino religioso; da opção pelo ensino religioso não confessional por muitos estados. O secretário de Educação de Santa Catarina também apresentou os modelos que vem sendo aplicados no Distrito Federal e no estado de Santa Catarina e as recomendações que o Consed entende como primordiais para as diretrizes curriculares nacionais.

Deschamps citou que mesmo com a ausência de diretrizes curriculares nacionais, os entes federados têm regulamentado a matéria de diferentes formas, considerando alguns  princípios para o ensino religioso como por exemplo: Não é o ensino de uma religião ou das religiões na escola; Não deve e não pode privilegiar uma ou mais confissões religiosas, em detrimento de outras e Não pode ter finalidade catequética de qualquer manifestação religiosa; Não pode abdicar de combater a intolerância religiosa.

O presidente do Consed ressaltou o aspecto da função social da escola pública referente ao ensino religioso, que busca possibilitar “o acesso ao conjunto dos conhecimentos religiosos, que integram o substrato das culturas, vedadas quaisquer formas de proselitismo”. Elencou também àquilo que não é considerada função social da escola no que se refere ao ensino religioso, que não deve transmitir e difundir crenças religiosas; doutrinar os educandos através de materiais paradidáticos e práticas celebrativas; segregar os educandos por motivações religiosas ou outras; difundir concepções e práticas preconceituosas em relação a determinada denominação religiosa.

O presidente Eduardo defendeu que o ensino religioso não confessional tem sido uma prática em inúmeros Estados da Federação, que organizaram o Ensino Religioso na modalidade com a  oferta de concursos públicos para professores habilitados para o Ensino Religioso; com o apoio a cursos de formação inicial e continuada; com propostas curriculares em que o Ensino Religioso possui tratamento igual às demais disciplinas e com uma identidade pedagógica a partir do objeto de estudo (fenômeno religioso), metodologia, conceitos, conteúdos e proposta de avaliação.

Eduardo destacou que “é preciso definir o quê, como e para quê ensinar”. O secretário citou a proposta curricular de Santa Catarina, que definiu o que ensinar a partir da “[...] multiplicidade de ritos, textos, mitos, símbolos, espaços, linguagens, atitudes, valores e referenciais éticos que balizam e até determinam como o ser humano se define e se posiciona no mundo”.

A proposta de Santa Catarina pautou um “[...] processo educativo que leva ao reconhecimento da diversidade religiosa, articulando conhecimentos científicos e culturais, por meio do exercício do diálogo, do estudo, da pesquisa, da reflexão e apropriação dos conhecimentos”, afirmou.

Para Deschamps, “partindo das identidades e contextos socioculturais dos estudantes, o processo de ensino-aprendizagem assim compreendido contribui para a formação de atitudes e valores de acolhimento às identidades e diferenças”, disse.

Por fim, o presidente do Consed apresentou recomendações que o Conselho compreende como fundamentais para a regulamentação na oferta do Ensino Religioso e para assegurar os princípios da laicidade do Estado na educação:  1 - Propiciar aos educandos o acesso e a aprendizagem dos conhecimentos da diversidade religiosa, sem proselitismos; 2 - Cumprir a legislação vigente referente ao Ensino Religioso; 3 - O Conselho Nacional de Educação definir diretrizes curriculares nacionais orientadoras para todos os sistemas de ensino e para a formação de professores em nível de Licenciatura Plena.

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE, Roberto Leão, destacou em sua exposição no STF, que o correto seria abolir a “disciplina” específica de ensino religioso, tratando esse tema curricular como área de conhecimento histórico-cultural da humanidade, pois não é viável conceber quaisquer ensinamentos dogmáticos no ambiente escolar. A proposta da confederação é assegurar o estudo das religiões nas disciplinas de Filosofia, Sociologia, História e Geografia de currículos do ensino fundamental e médio das escolas públicas. Ele argumenta que é direito dos pais ou responsáveis legais de escolherem a educação religiosa e moral de suas crianças, e de orientar essa educação em acordo com suas próprias convicções.

Após a apresentação de representantes de 14 entidades sobre a implantação ou não do ensino religioso nas escolas públicas e se esse ensino deve ser confessional ou não confessional, o ministro Roberto Barroso encerrou a primeira parte da audiência pública sobre o tema. Os debates serão retomados às 14h30, na Sala de Sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), quando representantes de outras 17 entidades vão se manifestar.

Participaram ainda do período da manhã representantes das seguintes entidades: Confederação Israelita do Brasil – CONIB, Roseli Fischmann; Antonio Carlos Biscaia, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB; Vanderlei Batista Marins, da Convenção Batista Brasileira – CBB; Alvaro Chrispino, da Federação Espírita Brasileira – FEB; Ali Zoghbi, da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil – FAMBRAS; Antônio Gomes da Costa Neto, da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro - FENACAB em conjunto com Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno; Abiezer Apolinário da Silva, da Igreja Assembleia de Deus - Ministério de Belém; Bispo Manoel Ferreira, da Convenção Nacional das Assembleias de Deus - Ministério de Madureira; Thiago Gomes Viana, da Liga Humanista Secular do Brasil – LIHS; João Nery Rafael, Sociedade Budista do Brasil – SBB; Renato Gugliano Herani, da Igreja Universal do Reino de Deus; Cleunice Matos Rehem, do Centro de Raja Yoga Brahma Kumaris. No período da tarde serão mais 17 expositores terão também 15 minutos para apresentar seus argumentos sobre a matéria.

Histórico da Ação

Na ação, busca-se conferir interpretação conforme a Constituição Federal a dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (caput e parágrafos 1º e 2º do artigo 33 da Lei 9.394/1996) e ao acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (Decreto 7.107/2010). Em despacho para a convocação da audiência, o relator afirmou que a ação pretende “assentar que o ensino religioso em escolas públicas deve ter natureza não confessional, com proibição da admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas”.

A ação da PGR foi proposta em 2010 pela então vice-procuradora Débora Duprat. Segundo entendimento da procuradoria, o ensino religioso só pode ser oferecido se o conteúdo programático da disciplina consistir na exposição “das doutrinas, práticas, histórias e dimensão social das diferentes religiões”, sem que o professor tome partido. Para a procuradora, o ensino religioso no país aponta para a adoção do “ensino da religião católica” e de outros credos, fato que afronta o princípio constitucional da laicidade.

Com informações do STF/EBC/CNTE.