Pernambuco
31.10.2019O sonho de Aline Furtuozo sempre foi ser professora. Na maior parte da vida profissional, ela exerceu outras funções, mas nunca deixou de acreditar que um dia lideraria uma sala de aula. Ela nasceu numa família humilde, da Zona Rural de Vitória de Santo Antão, em que foi a primeira pessoa a cursar o nível superior. Inspirada em toda a sua vida escolar grandes mestres, há dois anos Aline realizou o seu maior desejo e assumiu as aulas de biologia da EREM Guiomar Krause, onde pretende motivar estudantes a ocupar espaços de poder e transformar os sonhos deles em objetivos.
A família de Aline, composta pelos pais agricultores e mais cinco irmãos, sempre priorizou os estudos, apesar das dificuldades. Pela manhã, ela e os irmãos estudavam, e à tarde ajudavam os pais na roça. E assim, Aline seguiu durante anos: para chegar à escola, situada no centro da cidade, ela tinha que andar cerca de três quilômetros na ida para pegar a condução, e três quilômetros na volta para chegar do ponto de ônibus até em casa.
Logo no Ensino Fundamental, Aline recebeu o primeiro incentivo: sua professora Diomar Andrade, da Escola Municipal Manoel Domingos de Melo, sempre elogiava a então menina, que nunca foi tão motivada assim a seguir uma carreira. “Ela dizia que via futuro em mim, e isso foi suficiente para eu acreditar e começar a sonhar”, conta. No Ensino Médio, foi a vez do professor de biologia Adalberto Perez, que ensinava Aline no segundo ano na escola Escola Municipal 3 de Agosto.
“Eu me apaixonei por biologia por causa dele. O jeito que ele explicava a disciplina era incrível, e ele era muito querido, muito atencioso com todos. Tinha algo diferente nele. Ele foi a primeira pessoa que falou sobre curso superior para mim. Até ali, eu nunca me senti capaz de entrar numa universidade. A gente aprende desde pequeno que existe um mundo no qual nos cabe, e que além daquilo é sonho. Eu nunca imaginei entrar numa universidade, mas aqueles conselhos que ele dava mudaram a minha forma de me enxergar no futuro”, detalha.
Quando estreou o curso de Licenciatura em Biologia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em Vitória de Santo Antão, Aline se inscreveu, fez o vestibular e foi aprovada. “O choque de realidade para o jovem de Zona Rural que entra numa universidade pública é enorme. Quando a gente nasce naquele local, a perspectiva de vida é mínima. Eu cresci numa família com sérios problemas de alcoolismo, de briga, e quem me conhece eu costumo dizer que a educação pública me salvou do destino no qual muitas amigas seguiram, que era casar cedo, ter filho e viver da roça”, relata, emocionada, a docente.
Na universidade, Aline se envolveu com pesquisas e foi agraciada com mais um estímulo na sua vida. Por conta da sua escrita impecável e facilidade de comunicação, o professor Gilmar Farias a convidou para participar de um projeto de pesquisa durante toda a graduação, e a incentivou a continuar o curso, além de dar condições materiais para que ela desenvolvesse suas habilidades e toda a assistência acadêmica que conseguia, como um computador para estudos em sua sala na instituição. “Eu acho que eu nunca vou ser grata o suficiente pelos professores maravilhosos que apareceram na minha vida”.
Durante a graduação, Aline passou num concurso público como auxiliar administrativo, mas não desistiu do sonho de ser professora. “Passei a morar no centro de Vitória de Santo Antãp para poder dar conta do trabalho, da faculdade e do estágio aos 20 anos. Eu sempre soube que aquela profissão não era para sempre. Minha paixão era sala de aula e eu sabia que era uma questão de tempo para conseguir”. Ao terminar o curso superior, Aline fez uma especialização em docência e logo em seguida foi aprovada em um mestrado na área de educação. Ela nunca parou de estudar e conciliava o emprego e os estudos durante anos.
Com a conclusão do mestrado, Aline foi chamada para ser professora de uma universidade privada da cidade, mas o seu objetivo sempre foi o ensino básico. Em 2016, ela foi aprovada em um concurso para professor da Rede Estadual, e desde então vem vivenciando o seu maior sonho aos 31 anos.
“Cada coisa que aconteceu veio no melhor momento pra mim. Começar a lecionar aos 29 anos não me desestimulou nem um pouco. Às vezes a gente não faz ideia do quanto a palavra de um professor toca. Eu tento ser professora na perspectiva humana. Não tenho como dissociar a Aline que viveu todos esses desafios da Aline que é professora hoje e que olha para os alunos que estão no local onde eu estive até pouco tempo. Não tem como eu não olhar para eles e não ver potencial e possibilidades. Eu sempre digo a eles que vim de escola pública, que não foi fácil, mas que a gente, que não tem muitas oportunidades, tem que se apegar às mínimas que aparecem. Eu me sinto muito querida e respeitada na EREM Guiomar Krause. Hoje eu estou plenamente feliz em sala de aula e espero motivar vidas também”.