Pernambuco
14.11.2024Nas escolas estaduais, a produção científica impulsiona os estudantes a modificar positivamente o entorno. Foi com a preocupação de solucionar problemas enfrentados nas casas de farinha do Quilombo do Caroá, em Carnaíba, no Sertão do Pajeú, que um grupo de estudantes da Escola Técnica Estadual (ETE) Professor Paulo Freire desenvolveu o Filtropinha, um filtro absorvente à base de cascas de pinha que é capaz de reduzir a carga poluente da manipueira, resíduo tóxico gerado na produção da farinha de mandioca.
O líquido amarelado, que contém ácido cianídrico, contamina o ecossistema e pode causar problemas de saúde, como dores de cabeça, tonturas e falta de ar, sintomas que já estavam sendo apresentados por vários trabalhadores da comunidade quilombola. “A problemática foi identificada por algumas alunas que são da comunidade. Em muitos casos, o pessoal das casas de farinha trabalha sem nenhum equipamento de proteção e não conhece os riscos da manipueira, pois nunca foi ensinado que esse material polui e prejudica o meio ambiente”, explica o professor Gustavo Bezerra, orientador do projeto.
A partir daí, os estudantes desenvolveram um protótipo que visa reduzir o descarte indevido da manipueira e a poluição tóxica que ela causa, promovendo a sustentabilidade e a reutilização da água usada na lavagem da mandioca durante o processo de fabricação da farinha. De acordo com as pesquisas realizadas pela equipe, as farinheiras chegam a gastar de 15 a 20 mil litros de água por produção.
“Visitamos a comunidade quilombola, falamos da problemática do mau descarte da manipueira e apresentamos o nosso filtro como uma possibilidade. Os moradores do Quilombo do Caroá demonstraram muita curiosidade e interesse em aplicar o projeto no dia a dia. O filtro pode ser uma alternativa excelente para promover uma produção sustentável e uma melhoria de qualidade de vida nessas comunidades que têm casas de farinha”, explica Luana Noêmia, uma das estudantes que compõem o grupo.
O Filtropinha é um dos 10 projetos finalistas do prêmio Solve For Tomorrow Brasil 2024, da Samsung. A iniciativa incentiva a produção científica e tecnológica de estudantes de escolas públicas na construção de soluções inovadoras para problemas locais e globais. O projeto é o único finalista de Pernambuco. Os vencedores serão anunciados no dia 3 de dezembro. O projeto também foi apresentado na programação do Rec’n’play, no Recife, na mesa “Conexões Empreendedoras: um bate-papo das Startups com a Governadora Raquel Lyra”.
Para Luana, essa repercussão traz visibilidade ao tema. “Fico muito feliz, principalmente porque o projeto abrangeu uma comunidade que não tem uma visibilidade muito grande na sociedade, nem suporte governamental. Eu, por exemplo, nunca tinha ido a uma casa de farinha e não sabia o que era a manipueira. Agora, assim como eu, outras pessoas vão ter noção do tema”, reforça a jovem cientista. Complementam a equipe os estudantes Eduardo da Silva, Beatriz Vitória e Angela Rafaela.
Projeto
O filtro é composto por um modelo construído a partir de uma impressora 3D, que conta com camadas de algodão, papel filtro, farinha de cascas de pinha e carvão ativado, produzido a partir da queima dessas cascas, cujas propriedades porosas ajudam a filtrar a manipueira. O protótipo ainda conta com uma rosca pensada para facilitar a sua implementação nas caixas d’água onde fica armazenada a manipueira nas casas de farinha. O projeto tem custo inicial de R$ 5.
Entre os testes realizados durante o experimento, os estudantes calcularam a taxa de germinação de sementes. Com a manipueira tratada pelo Filtropinha, a taxa chegou a 80%, enquanto cai para 20% quando se utiliza o líquido em seu estado natural. “No solo contaminado pelo descarte incorreto da manipueira, não tem como germinar nada, mas a manipueira tratada pode ser reutilizada para lavar as raízes da mandioca e fazer com que o solo não se contamine também”, explica a aluna Beatriz Vitória, que é moradora do Quilombo do Caroá.
A ETE Professor Paulo Freire é um grande celeiro de projetos científicos, que vão de fralda biodegradável a luva que estabiliza tremores em pessoas com Parkinson. Essas criações são fruto das disciplinas eletivas incorporadas a partir do Novo Ensino Médio em Pernambuco e de projetos de incentivo à pesquisa da gestão estadual. Um deles é o Espaço CRIA, centros de criação, inovação e aprendizagem localizados em todas as Escolas Técnicas Estaduais e em diversas Escolas de Referência em Ensino Médio de Pernambuco.
O Filtropinha, por exemplo, nasceu a partir da disciplina Produções Sustentáveis, que visa trabalhar com os alunos problemáticas à volta deles e encontrar soluções alternativas. “Na nossa escola, temos atendido muitas pessoas da comunidade do Quilombo do Caruá, que possui três casas de farinhas ativas e que são fontes de renda e símbolo de resistência para a comunidade, porém gera esses problemas de descarte inadequado dos resíduos. Então, pensando nessa problemática, a turma propôs desenvolver seis soluções voltadas para esses resíduos das casas de farinhas. Em disciplinas como essa, promovemos o desenvolvimento científico e crítico dos estudantes a partir da sua realidade”, explica o professor.
Além do Filtropinha, outros projetos nascidos na escola estão circulando por feiras científicas e premiações. É o caso do Cajusol, projeto de placas solares que utilizam o líquido da casca da castanha de caju (LCC) para produzir energia renovável. Com a iniciativa, as realizadoras participam do programa Power4Girls, da embaixada dos Estados Unidos, sendo as únicas representantes de Pernambuco na disputa.
Em outubro, estudantes da ETE e de outras unidades de ensino da Rede Estadual participaram da QCiência, feira promovida pelo Departamento de Química Fundamental da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Só nesse evento, a escola apresentou 13 projetos. “Atualmente, a gente tem 17 alunos bolsistas da Facepe e do Cnpq, ou seja, alunos que estão recebendo um incentivo financeiro a partir de projetos que desenvolvem na escola. Eles percebem isso como um fruto do seu trabalho, da sua pesquisa e curiosidade durante as aulas”, avalia Gustavo.