Pará
03.11.2022Às margens do alto Rio Guamá, no nordeste paraense, em uma localidade onde até pouco tempo só era possível chegar por via fluvial, mais de 150 alunos indígenas tiveram a oportunidade de intensificar a preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por meio de um aulão inédito, proporcionado pela Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc). A ramada da aldeia São Pedro, considerada uma estrutura sagrada para o seu povo, foi o local escolhido para abrigar alunos de povos originários de 16 localidades.
Yar Tembé, 18 anos, que mora na aldeia São Pedro, está entre os 963 indígenas paraenses que se inscreveram no Enem 2022, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Da varanda da casa onde mora com os pais, manuseando fios e miçangas que darão origem a uma pulseira de proteção, a jovem externou sua determinação: "Eu quero fazer Direito, estudar, mas continuar morando aqui, saber das nossas dificuldades e lutar por nossos direitos com papel e caneta. Nós não temos todos os direitos que deveríamos ter".
Yar Tembé é um exemplo claro do indígena que vem se apropriando do conhecimento de outras culturas em benefício do seu povo. O respeito às próprias raízes culturais, no entanto, se perpetua com as recentes tecnologias instaladas na aldeia: energia elétrica e internet. As pinturas corporais, o cocar e a pesca artesanal fazem parte da rotina dos 184 Tembé remanescentes na área, que se mantém preservada desde a instalação da reserva ambiental, há mais de meio século. Como em todo evento relevante à comunidade, o aulão iniciou com uma dança em agradecimento, na imponente ramada de palha.
Rôrmãpôre Kôkôixunti Tembé saiu por volta de 06 h da aldeia Zawara Uhu para participar da ação. Com o rosto pintado, a pré-universitária ressaltou que “com esse aulão teremos a oportunidade de agregar mais valores pedagógicos. Eu ainda estou avaliando o curso que pretendo fazer, mas será na área de Medicina ou Direito”.
Para a secretária de Educação do Pará, Elieth de Fátima Braga, "é momento de festejar mais esse importante avanço na democratização da educação no Estado. Vamos avançar com essa iniciativa para outras etnias, fazendo com que aumente o ingresso do indígena nas faculdades e, consequentemente, o seu povo possa usufruir deste profissional no futuro, levando qualidade de vida e gerando emprego e renda".
Saber e liberdade - O cacique da aldeia São Pedro, Kamiran Temém, 30 anos, reconheceu a importância do estudo para a sobrevivência de seu povo. "Ao longo da história, nós enxergamos os avanços trazidos pelo conhecimento. Antes, nós não tínhamos nem autonomia para falar por nós mesmos. Hoje, nós temos essa liberdade, e por isso precisamos de conhecimento para lutar. Nossos jovens estão tendo uma bela oportunidade, coisa que os meus avós não tiveram", disse o cacique.
Ele ressaltou que é importante aliar o conhecimento do povo indígena e a educação convencional, com integração e respeito. "Estamos aqui oportunizando a nossa juventude sonhar. A educação, para nós, é muito importante, pois é um instrumento de luta. Nós deixamos nosso arco e flecha para travar uma luta ideológica em busca do nosso direito. A gente precisa fazer valer nossos direitos, principalmente diante de uma sociedade que ainda é preconceituosa", enfatizou o cacique.
A transmissão dos saberes tradicionais, por meio das narrativas em primeira pessoa, se mostra cada vez mais essencial na busca por direitos. Segundo a coordenadora da Educação Indígena da Seduc, Vera Arapiun, "essa iniciativa é muito louvável. Aqui nós temos cinco escolas estaduais. Todos os anos esses alunos fazem parte de processos seletivos especiais, mas também fazem o Enem nacional e, com certeza, essa oportunidade é muito significativa. Esses estudantes fazem parte também da educação. Isso descentraliza esse intensivo e aproxima os indígenas dos outros candidatos”.
Texto: Evaldo Júnior/ Ascom Seduc Pará