“A rede está rodando, apesar da profunda crise”

Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais

08.04.2019

Em 2019, NOVA ESCOLA vai publicar entrevistas com os secretários de Educação dos 26 estados e do Distrito Federal para ouvir os planos, perspectivas e as opiniões de quem lidera a pasta pelo país.

Julia Sant'Anna é secretária estadual de Educação de Minas Gerais  Crédito: Gil Leonardi/Imprensa MG

Julia Sant’Anna assumiu o cargo de Secretária Estadual de Educação de Minas Gerais em meio ao que ela mesma qualificou como “uma profunda crise”. O Orçamento aprovado pela Assembleia Legislativa para o governador Romeu Zema (Novo) prevê um rombo de R$ 11,4 bilhões. Para garantir o início das aulas em fevereiro, a Secretaria de Estado de Educação fez um repasse de R$ 48,7 milhões. “Os números que indicam que nós estamos 19 pontos além do nosso limite para pagamento de folha de pessoal em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse a secretária em entrevista à NOVA ESCOLA. 

Julia lembrou ainda que há uma “questão bastante delicada em relação à questão da folha” de pagamento: “Estamos conseguindo executar os pagamentos, que estão escalonados, mas estamos executando o que foi deixado também como legado triste: a pendência do pagamento do 13º salário. Nas primeiras semanas anunciamos um escalonamento, então vai ser um esforço analisar o caixa para garantir o pagamento dos professores.”



Ainda assim, a nova secretária de Educação mineira está otimista. “Estamos com a rede rodando, apesar dessa profunda crise”.

Julia Sant’Anna foi escolhida para a pasta pelo governador de Minas Gerais Romeu Zema (Novo) e vai liderar uma secretaria responsável por 3.612 escolas, 2.076.330 matrículas, de acordo com os dados do Censo 2018, e um total de 210.675 funcionários.

A doutora em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e servidora pública concursada é também especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

“Sou gestora pública de carreira do Estado do Rio de Janeiro, entrei por concurso no ano de 2011”, diz. Ela trabalhou na Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, onde conta que conseguiu melhorar o Ideb do Ensino Médio do Estado. “Conseguimos ascender de penúltimo lugar no Ideb de Ensino Médio para quarto colocado em duas edições do Ideb. (…) Dali em diante, houve o início de outro desafio grande, que era a respeito da profunda crise financeira do estado: conseguir manter as unidades escolares ofertando serviço e atendimento aos alunos e que fosse de boa qualidade.”


Agora, em Minas Gerais, a nova secretária também terá que enfrentar uma situação difícil no que diz respeito à melhoria do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o estado foi um dos destaques, alcançando um Ideb de 6,3. A meta igual ou maior a seis era prevista nacionalmente apenas para 2021. Mas, nos anos finais do Fundamental, Minas Gerais, que vinha em um crescente (ainda que lento) desde 2005, pela primeira vez registrou uma queda de 0,1 ponto e obteve resultado de 4,7 pontos. A meta prevista para o estado era de 5,2.

No Ensino Médio, assim como o resto do país, Minas Gerais não alcançou sua meta. E ainda enfrenta problemas apontados pela secretária como “grandes índices de rejeição, abandono e reprovação dos alunos”. Contra esses fatores, Julia pretende “fazer uma boa gestão pedagógica, trabalhar bem esses indicadores de processo de aprendizagem, sem esquecer o cuidado no bom uso dos recursos financeiros”.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida pela secretária de Educação de Minas Gerais à NOVA ESCOLA.

Como a sra. avalia a Educação hoje em Minas Gerais?

JULIA SANT’ANNA: Infelizmente – mas ao mesmo tempo felizmente, porque tem um trabalho lindo a avançar – nos indicadores do Ensino Médio, Minas Gerais se situa numa posição bastante injusta. Se for desmembrar o Ideb nas suas composições da nota média padronizada e do indicador de rendimento, sendo eles respectivamente o desempenho e o fluxo, a gente percebe que Minas está em 4º lugar na proficiência: é a nossa média dos alunos nas avaliações externas nacionais padronizadas. Por outro lado, está em 20º lugar em relação à capacidade de aprovação desses alunos no processo ao longo dos anos, com grandes índices de rejeição, abandono e reprovação. Então, se por um lado a Educação é boa, por outro precisamos garantir a manutenção desses alunos na rede. Historicamente, Minas teve um cuidado muito importante com o Ensino Fundamental, mas não tratou o Ensino Médio como seria preciso. Agora, temos uma oportunidade muito boa de corrigir essa injustiça, obviamente garantindo a evolução desses indicadores.

Estamos falando em combater o abandono e evasão escolar, e tentar puxar esses índices para que conversem mais entre si. São esses os grandes desafios de Minas?

Desenvolver a aprendizagem, superar os índices e manter uma boa execução dos recursos –  e eu já te adianto que, infelizmente ou felizmente, a gente tem muitas oportunidades de melhoria na gestão do gasto aqui na Secretaria de Minas. Para avançar na aprendizagem, é importante para a gente entender que mesmo ocupando a 4ª posição, nossas notas no nível Brasil ainda são muito deficientes. Então, precisamos trabalhar os indicadores também de processo, do dia a dia da escola, identificar em quais unidades escolares há uma redução na frequência dos alunos, buscando entender junto a essas unidades como aumentar a atratividade do ensino. Nesse processo, temos de garantir igualmente uma boa formação para os professores, para que eles tenham condições de desenvolver essa atratividade do ensino. Um motivo de felicidade é que estamos numa conversa bastante próxima com a reitora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e a reitoria da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimonte) para garantir a melhoria na troca de experiências e boas práticas do Ensino Superior para a rede básica. A expectativa é que essas universidades possam nos apoiar na formação de profissionais da licenciatura para as nossas unidades escolares, também para os municípios, e poder também fazer com que esses alunos da Educação Básica acreditem que o acesso à universidade é possível e está próximo.

Falando em recursos, a sra. citou que aí há também oportunidades. Quando eu digo felizmente, é porque temos uma extrema necessidade de recursos agora. Vai ser um período bastante duro e complicado: a gente vai precisar que professores, gestores, regionais e administração central, pais e alunos compreendam que nós vamos ter que fazer alguns ajustes para tratar o que é mais importante, que é garantir a aprendizagem.

O que já está sendo feito de olho no curto e médio prazo?
No nível central, nós estamos buscando melhorar uma série de procedimentos que a gente entende que estavam ainda muito deficientes. Não adianta a gente sair voando para começar a implantar grandes projetos se não temos um bom diagnóstico. Esse bom diagnóstico vai nessa linha de garantir – é uma parte um pouco burocrática – vinculação de professores às turmas, que os professores estejam conseguindo iniciar lançamento de frequências, faltas e conteúdos no sistema. Estamos montando rotinas de trabalho para que o acesso do diretor aos dados da escola seja facilitado e com isso conseguir ajudá-lo de forma individualizada em relação às dificuldades de cada unidade escolar, já que temos escolas com situações muito complexas. 

Quais são as políticas prioritárias que pretende implementar nos próximos anos?

Estamos agora no processo de implementação do currículo que foi aprovado com base na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para Educação Infantil e para o Fundamental. Há um movimento bastante importante se iniciando agora, junto das Secretarias Municipais de Educação e que envolve garantir que a avaliação de alunos seja refletida por essa trajetória e que ela retroalimente também um processo de formação dos professores. A formação inicialmente é para que os professores deem conta desse novo currículo e depois, avaliando os resultados dos alunos, a gente possa identificar quais são os maiores hiatos de formação e fortalecer isso no campo da Educação Infantil e Ensino Fundamental. No Ensino Médio nós temos o grande desafio de construir o nosso currículo e vamos contar com o que já é tradição no estado: contar com os mais diversos apoiadores, parceiros e professores da rede para estar aí conosco nessa construção e fazendo uso desses instrumentos posteriores de formação e avaliação, retroalimentando também o processo de formação. 

Numa outra frente, a gente quer garantir o aumento da adesão dos alunos da Educação pública ao Enem, para que eles se sintam capazes de ser submetidos ao Enem, sem desconsiderar uma frente importantíssima que é o desenvolvimento dos cursos profissionalizantes, que vão funcionar muito bem para aqueles alunos que têm uma urgência para entrar no mercado de trabalho. Temos um trabalho junto aos polos produtivos mineiros para identificar onde há necessidade de dinamizar os cursos existentes e criar novos, buscando também modernizar os laboratórios a partir de parcerias com a iniciativa privada. Se a iniciativa privada está presente nesses laboratórios, trazendo uma tecnologia de ponta, acaba sendo muito positivo porque coloca os alunos bem próximos da empregabilidade.

Portanto, estamos falando de Ensino Médio proifissionalizante como prioridade?
É um sonho do governador [Romeu Zema] e meu também que a partir da identificação precisa dos focos de Educação Profissionalizante, Minas Gerais se torne um polo da tecnologia da informação no Brasil. Há uma demanda muito grande no mercado aqui: temos o berço do empreendedorismo de T.I. que são os rapazes do San Pedro Valley, uma associação bastante reconhecida nacionalmente. Eles conversaram recentemente conosco sobre a importância de cursos nessa área de T.I., para que Minas Gerais avance nesse campo produtivo. O grande gargalo do setor é a parte de formação de jovens que estariam dispostos a entrar nesse mercado de programação de software. Nosso objetivo é dinamizar e criar novos cursos com bastante aderência ao mercado de trabalho.

Qual sua visão sobre a reforma da Base do Ensino Médio? 

Estamos falando muito em preparar o estudante para o mercado de trabalho, mas o currículo prevê uma mudança muito grande em sua construção.Existem duas frentes em relação ao Novo Ensino Médio aqui: uma é promover e buscar a integração dos currículos e outra é um esforço nosso de entender efetivamente como está funcionando a Educação Integral, identificar onde há fragilidades para dar uma sustentação mínima. Nosso maior objetivo é avançar na Educação em Tempo Integral. Nesse primeiro momento o nosso desafio é lidar com uma pluralidade de matrizes curriculares nas unidades escolares. O esforço agora é identificar o que elas têm em comum, buscar uma integração entre essas matrizes para fazer com que a rede funcione efetivamente como uma rede. E avançar na construção de um currículo que obviamente pense também nos itinerários formativos fundamentais, alinhados à Base Nacional. 

Na Base do Ensino Médio, ainda há uma grande discussão sobre Ensino à Distância (EAD). Qual a sua opinião?

EAD é um tema que bastante aceito em relação à formação de professores, e que queremos potencializar agora nessa gestão. Sobre EAD para alunos, precisamos identificar quais são os contextos para garantir o avanço da aprendizagem, sempre tendo atenção às nossas restrições culturais, importante que se diga. Sempre que houver possibilidade, e há uma curiosidade desse governo em testar experiências que tragam resultados, nós vamos considerar, mas sem tomar qualquer atitude irresponsável, que não seja discutida com a comunidade escolar.

A sra. se referiu ao regime de colaboração entre estados e municípios para construção dos currículos alinhados à Base como um ponto positivo. Existem outras áreas em que há colaborações ou parcerias em andamento?

Minas tem uma cultura muito diferente da qual eu venho, no Rio de Janeiro. Aqui, estado e municípios são muito próximos. A [União dos Dirigentes Municipais de Educação] Undime e o estado são parceiros bastante estreitos. Em Minas Gerais, o estado aplica e realiza as avaliações externas em apoio aos municípios. Isso é muito positivo porque não só apoiamos os municípios que eventualmente têm restrição de orçamento, mas também já vamos conhecendo os alunos que serão recebidos em nossa rede, garantindo que estejamos bem conscientes das necessidades para a formação deles.

Diante dos desafios do estado para a Educação, como a crise financeira está afetando a rede estadual em termos de pagamento, infraestrutura e os planos para os próximos anos? Existe alguma expectativa de que, em algum momento, Minas consiga avançar sem ter esses problemas?

Nós somos diretamente afetados mesmo [pela crise financeira]. O governo anterior [de Fernando Pimentel] já estava há alguns meses sem realizar suas obrigações de repasse dos recursos de Fundeb e também do transporte escolar às prefeituras. Então, foi bastante complicado receber um estado assim. Estamos fazendo um acompanhamento muito próximo dos prefeitos. Dos 853 municípios, atualmente 147 ainda estão com dificuldade de iniciar o ano. Nesses 147 municípios, 70 mil alunos ainda são afetados por problemas no serviço de transporte. É importante dizer que os repasses tanto do Fundeb quanto do transporte escolar foram regularizados imediatamente tão logo teve início a nossa administração. 

O governo está numa fase de negociação junto à Associação de Prefeitos que está muito sensível também ao esforço que o governo estadual tem feito para não só manter a regularidade, mas negociar um calendário de pagamento dos débitos anteriores. Começamos a contabilizar em 8 de fevereiro e esse acompanhamento é feito dia a dia. Havia 373 municípios com dificuldade. Pelo nosso esforço de regularização, a compreensão dos prefeitos, o esforço de ambos os lados, esse número foi reduzido a 147. Agora estamos no esforço de fazer um bom processo de recomposição dessas aulas, de garantir que os alunos tenham acesso a tudo que vem sendo trabalhado ao longo dessas primeiras semanas. 

Vamos falar agora sobre outro ponto importante: quais são os seus planos na área de valorização do professor?

Infelizmente isso é dito de forma muito direta e objetiva porque é comprometimento deste governo explicar bem e garantir que nosso interlocutor entenda essa restrição. Os números indicam que estamos além, 19 pontos além do nosso limite para pagamento de folha de pessoal em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, há essa questão bastante delicada em relação à folha. Estamos conseguindo executar os pagamentos, que estão escalonados, mas temos o legado triste que é a pendência do pagamento do 13º salário. Vai ser um esforço analisar o caixa para garantir o pagamento dos professores, mas é muito importante que se entenda que estamos numa situação em que todos os limites prudenciais de pagamento de folha de pessoal foram ultrapassados e não foram publicizados no passado. Tudo que eu te falei está muito mais ligado efetivamente à execução da folha, que é prerrogativa da Secretaria de Planejamento, mas aqui na Educação nós teremos um acompanhamento bastante cuidadoso agora em relação à organização da rede.

Nesse cenário, é possível fazer algo para valorizar o professor?
Buscando a integralização do professor em algumas unidades escolares, me parece que há muitas oportunidades para que a gente consiga deixar a vida do aluno mais correta e a vida do professor, melhor. A gente entende que há pulverização de turmas, mas vamos melhorar o atendimento ao aluno, a situação funcional dos professores, dando mais coerência ao gasto. Em relação à valorização de professores, é um cuidado e preocupação do governador que transformemos os bons exemplos em reconhecimento. Temos que potencializar os nossos talentos, reconhecendo os bons exemplos. Nas visitas a escolas, vimos excelentes profissionais e tentamos mostrar nosso esforço em ter uma rede organizada para viabilizar a aplicação de recursos tanto na valorização de professores, como melhoria da infraestrutura das escolas.

Plano de carreira: há algum projeto sendo feito?

Formação de professores é uma das prioridades nossas, mas há uma restrição bastante grande em relação à folha. Estamos juridicamente impedidos, o estado, de admitir qualquer questão que onere ainda mais essa folha. O estado está irregular em relação às suas obrigações orçamentárias e financeiras e há uma prerrogativa jurídica de regularização, antes que se volte a falar em plano de carreira. 

A senhora considera que o Escola Sem Partido seja uma política prioritária para o estado?

A nossa prioridade é a melhoria na garantia da aprendizagem. É importante que se diga que prioridade agora é professor sem formação e aluno sem aprender.

Considerando as dificuldades iniciais enfrentadas por sua gestão, quais são os aprendizados que hoje Minas poderia compartilhar com o Brasil?

Estou encantada com a capacidade técnica das pessoas envolvidas diretamente na administração aqui. Minas é exemplo de rigor e conhecimento técnico, de seriedade no trabalho e de um bom relacionamento entre estado e municípios. Nós temos mais de 3.600 escolas. Nada pode ser pensado nessa escala sem respeitar as singularidades de cada local. É um ponto muito importante que se destaque: houve a tragédia da Vale em Brumadinho e duas semanas depois, eu estava reunida com a Secretária Municipal de Brumadinho, e as duas redes trabalharam para viabilizar da forma mais serena, leve e fortalecedora possível o início do ano letivo. Todos os secretários municipais com quem estou conversando me parecem grandes conhecedores do processo. Eu entendo que é preciso mais cuidado no tratamento dessas informações de maneira centralizada, mas a partir do momento em que se tem um diagnóstico, em que conseguimos ver o todo, o potencial de conhecimento unido à capacidade dos técnicos que aqui estão vão fazer essa rede voar.

Qual é o seu sonho para a Educação de Minas Gerais? Existe alguma fonte de inspiração?

Vamos buscar dar cada vez mais condições ao trabalho em parceria. Um bom exemplo disso é a experiência do Ceará, que é nacionalmente reconhecida. É importante que se reconheça também a franca expansão de Pernambuco e Espírito Santo nos índices de proficiência – e no Ideb, como um todo – e ver como foi bonito os estados se organizarem e ampliarem a rede de Educação Integral. A gente tem que ampliar essa rede de forma bastante responsável, então estamos buscando essa viabilização a despeito da crise, de forma cuidadosa. Minas é como se fosse um pequeno Brasil. Se a gente reduzir as desigualdades de aprendizagem, vamos dar saltos tremendos. Em relação à gestão de sistemas, tenho humildemente a experiência do Rio de Janeiro. Quando se trabalha com dados e facilitando a vida dos gestores, a gente consegue, sim, uma melhoria nos índices de aprendizagem. Meu sonho é corrigir essa injustiça que existe.