Distrito Federal
20.11.2020Em 20 de novembro, professores e alunos ressaltam atividades realizadas ao longo do ano para promover a igualdade racial
Foto: Carlos Terrana
“Quem danifica o caráter do outro, danifica o seu próprio. ” O provérbio africano é citado pelo professor Marcos Lopes dos Reis, da Escola Classe 64 de Ceilândia. Negro, vítima do racismo ainda nos primeiros anos escolares, conhece de perto as dores e as delícias da negritude. Agora é diferente. Ele não só tem voz como abre espaço para outras meninas e meninos da rede pública de ensino do Distrito Federal. A lição do professor Marcos é clara: não basta aprender a lutar contra o racismo, é preciso empoderar a população negra, sobretudo os jovens.
EC 64 de Ceilância – Professor Marcos Reis – Arquivo pessoal
O professor, que também realiza palestras sobre o tema, faz parte do time da rede da Secretaria de Educação do DF, que atua durante todo o ano com atividades interdisciplinares na luta contra o preconceito e as mais cruéis formas de segregação. “Tudo que sofri na infância e na adolescência me dá forças para continuar na luta com esse trabalho, para que os meus alunos não passem pelo que eu passei”, afirma.
EC 64 de Ceilândia – Trabalho na escola com Professor Marcos Reis – Arquivo pessoal
Marcos carrega na própria história de vida a experiência de ser acusado, julgado e condenado apenas pela cor de sua pele. Em 1981, aos seis anos de idade, chegou na escola e outra criança, ainda no conhecido “prezinho”, se recusou a entrar na sala de aula. “Enquanto esse macaco estiver aí eu não entro”, lembra. A inércia dos gestores na época deixou na criança uma marca tão profunda que ela, hoje crescida, considera ser aquele o dia em que nasceu.
EC 64 de Ceilândia – Trabalho na escola com Professor Marcos Reis – Arquivo pessoal
Marcos trabalha com crianças do Ensino Fundamental. As aulas não começam antes da leitura de provérbios indígenas, africanos, europeus e judeus, com o viés da diversidade. A ideia é refletir a temática ao longo do ensino. Antes da pandemia da Covid-19, o professor chegou a ser premiado em 1º lugar no prêmio Educar para Igualdade Racial e de Gênero, com o projeto Orgulho e Consciência Negra.
Além desse, também já produziu o Coral Afro Brasilidade para a Semana da Consciência Negra, com músicas que cantam a história do Brasil e o combate ao racismo, e esquetes como As Borboletas, um contraponto ao poema de Vinícius de Moraes. “Ao contrário do que diz o poema sobre as borboletas pretas, mostramos que elas podem ser da cor que quiser”, diz.
O Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, é um dia de culminância das atividades do ano e do mês realizadas pelo professor Marcos e pelos demais, que assumiram o compromisso junto à Diretoria de Educação do Campo, Direitos Humanos e Diversidade (DCDHD), da Secretaria de Educação, do enfrentamento às desigualdades numa rede de ensino majoritariamente negra, formada por aproximadamente 69% de estudantes autodeclarados negros – pretos e pardos.
69% autodeclarados negros – Foto: Carlos Terrana
A data em homenagem ao líder quilombola Zumbi dos Palmares está no Calendário Escolar da rede pública para celebrar as contribuições da população negra para toda a sociedade brasileira. E é sob a Lei de Diretrizes e Bases, artigo 26A, que a SEEDF cumpre com a obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Africana e Indígena nos currículos da Educação Básica.
“Reconhecer a identidade dos estudantes negros significa torná-los visíveis. Compreender sua complexa realidade e planejar ações que não neguem sua história e sua cultura, que não colaborem com a exclusão e com o racismo institucional e estrutural é cumprir o papel social da escola. É retirar da invisibilidade os alunos que se autodeclaram negros e manter a consciência negra viva cotidianamente na vida escolar”, destaca a diretora da DCDHD, Ruth Meyre Rodrigues.
No Recanto das Emas a história é outra. A professora Renata Keila dos Santos conta, há oito anos, a parte que não está nos livros. Na Escola Classe 803 eles não falam apenas sobre a escravidão, mas relembram a resistência do povo negro. “Trabalhamos o empoderamento e a cultura afro nas escolas. Fazemos atividades para que eles possam se identificar como negros. Em seguida, entramos no tema racismo e preconceito e, após isso, exercitamos a representatividade, com brinquedos, personagens negros, heróis. As crianças não estão acostumadas com a diversidade em suas casas, é preciso trabalhar a tolerância”, alerta a docente.
EC 803 do Recanto das Emas- Estudantes do Ensino Fundamental – Arquivo pessoal
Renata também já levou projetos externos para fora dos muros da escola, como o Afro Ação, que trata do empoderamento estético negro na oficina de cabelos e turbantes. As meninas aprendem sobre os diferentes tipos, a curvatura de cada fio, como tratar. “Uma maneira de mostrar que a beleza natural delas também é bonita e elas podem se aceitar como são”, ressalta a professora responsável ainda pelo desfile da beleza negra, uma maneira singela de elevar a autoestima das meninas e meninos da escola.
EC 803 do Recanto das Emas- Projeto Afro Ação – Arquivo pessoal
Embora esses trabalhos tenham sido realizados antes da pandemia do novo coronavírus, as atividades seguiram mundo virtual adentro, após a paralisação das aulas presenciais. Na plataforma do ensino on-line, a escola tem levantado o tema preconceito racial com personagens negros e relatos da cultura africana desde o início da história do Brasil, além de incentivar os professores a participarem de lives de formação.
EC 803 do Recanto das Emas- Professora e estudantes Ensino Fundamental – Arquivo pessoal
Branca, vivenciando outra realidade, a professora Regina Cotrim, atual coordenadora pedagógica do Centro de Ensino Médio 02, de Ceilândia, confessa que foi preciso muita reflexão sobre “como se colocar nesse lugar de fala”. Para isso, ela se especializou em Gestão em Políticas Públicas para Gênero e Raça na Universidade de Brasília. “Voltar para a sala de aula foi muito importante, me deu mais embasamento teórico. Com o apoio dos estudantes, então, começamos a trabalhar durante o ano a temática, que sempre foi muito presente nas minhas aulas”, conta.
CEM 02 de Ceilândia- Desenho com o nome do projeto
Em 2013, deu início ao projeto Lápis Cor de Pele. Qual pele? Era uma provocação. Os próprios estudantes foram incumbidos, na época, de chamar palestrantes e pessoas de fora da escola para o trabalho, que também contava com teatro, dança e ensaios fotográficos para valorizar a beleza negra. “Percebemos o crescimento dos estudantes, eles foram se soltando e aceitando cada estilo. A nossa escola realmente abraçou essa causa, e os alunos afirmam que se sentem representados”, comemora a coordenadora.
9 CEM 02 de Ceilândia- Grupo de alunos Resistência – Foto: Carlos Terrana
Atualmente, no WhatsApp, estudantes e ex-alunos do CEM 02 de Ceilândia participam do grupo Negra Sou, onde eles debatem políticas de afirmações positivas para todas as camadas da diversidade.
CEM 02 de Ceilândia – Coordenadora com o diretor e alunos – Arquivo pessoal
Ano passado, a escola elegeu o primeiro diretor negro, o professor Eliel de Aquino, que já iniciou os trabalhos com o planejamento para 365 dias de consciência negra na unidade. Uma ideia limitada pela Covid-19, mas não esgotada. “Antes da pandemia, nós estávamos planejando fazer valer a legislação que torna obrigatório o ensino da história das africanidades, inclusive com planos de levar os estudantes para um passeio a um quilombo próximo ao Distrito Federal. Para a Semana da Consciência Negra, nossa escola está com uma programação especial no Google Meet, que começou no dia 11 e vai até o final do mês, para todos os públicos”, informa Eliel.
Mesmo pelo ensino remoto, a rede pública continua trabalhando a temática dentro das possibilidades. Para facilitar, a Diretoria de Educação do Campo, Direitos Humanos e Diversidade produziu alguns materiais para a educação na plataforma, com as videoaulas: A Questão Racial no Brasil parte I e II e Quilombos – Histórias de Resistência, transmitidas no programa Bate-Papo Fundamental.
A DCDHD também preparou o informativo Todo Dia é Dia de Consciência Negra, sobre o Artigo 26A da LDB, com sugestões para o fazer pedagógico, que será enviado às escolas da rede pública do DF. E, ainda, nesta sexta-feira, 20, a diretoria apresenta a live com o mesmo tema, especial sobre mulheres negras e indígenas, às 9h, no canal da SEEDF no YouTube, o EducaDF.
Também no canal da secretaria, algumas lives com a temática da diversidade foram transmitidas durante a Semana Temática Letiva e continuam disponíveis, como: ↷
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Em cada Coordenação Regional de Ensino (CRE) uma programação diferente até o final do mês. Todas com acesso garantido no YouTube, abertas a toda comunidade ↷
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Nathália Borgo, ASCOM/SEEDF