Sergipe
27.09.2023O nono mês do ano é um período especial para a comunidade surda. Nele, é celebrado o ‘Setembro Azul’, campanha que representa a luta da comunidade surda por seus direitos. Em Sergipe, a Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (Seduc) tem avançado em ações para garantir que alunos surdos sejam inseridos com equidade na sociedade. Segundo dados da Seduc, são 158 alunos surdos matriculados na rede estadual de ensino.
Partindo da premissa que educação inclusiva significa ensino para todos, abrangendo pessoas com deficiência, doenças e transtornos, a diretora do Serviço de Educação Inclusiva do Governo do Estado, Lilian Alves, explicou como a gestão estadual trabalha a inclusão na rede pública de ensino. “Nós temos várias ações que permitem não só o acesso, mas também a permanência e desenvolvimento dos estudantes em nossas escolas. Essas ações contam com a oferta do atendimento educacional especializado de recursos multifuncionais e especializados e, também, de profissionais de apoio escolar I e II, que atuam nas salas de ensino regular fazendo mediação pedagógica aos estudantes”, afirmou.
De acordo com Lilian, esses profissionais de apoio I são pessoas que auxiliam desde a chegada do aluno com deficiência à escola até na assistência à higiene, alimentação e locomoção. Já os profissionais de apoio II são professores formados e com pós-graduação na área de educação especial e fazem toda mediação pedagógica, adaptação curricular, flexibilização, para que esses alunos consigam estar dentro do ensino regular, mas tendo um trabalho pedagógico diferenciado que permite o desenvolvimento deles dentro desse espaço.
“É um trabalho em conjunto entre os profissionais de apoio escolar I, II, professores da sala de recursos e de ensino regular. Não há inclusão sem que os professores de ensino regular participem desse processo, pois são eles que conduzem o processo de aprendizagem dos estudantes típicos juntamente com os alunos da educação especial”, ressaltou. Especificando os estudantes surdos, que trazem características próprias pedagógicas na aquisição da língua e na utilização da língua brasileira de sinais como sua primeira língua, esses estudantes precisam da atuação dos tradutores e intérpretes de libras para garantir a acessibilidade de comunicação dentro da sala de aula. Além disso, as escolas contam com instrutores de libras, formados em Letras/Libras que atuam nas salas de recursos multifuncionais ensinando a Libras como primeira língua.
Na sala de recursos, os alunos surdos aprendem Libras como primeira língua e, no espaço da sala de recursos multifuncionais, português escrito como segunda língua. “A gente atua fazendo com que o surdo tenha acessibilidade e comunicação social garantida, e que o processo de comunicação entre surdos e ouvintes aconteça dentro do espaço escolar”, disse. Lilian informou que os alunos surdos ocupam as mesmas salas que os alunos ouvintes com o auxílio do intérprete de Libras. “Assim, garantimos a acessibilidade comunicacional entre o professor, aluno surdo e os outros estudantes. O tradutor intérprete educacional tem um trabalho diferenciado, pois faz um trabalho extraclasse de estudo da disciplina, porque às vezes, para fazer a pessoa entender, ele precisa entender o conteúdo”, explicou.
Outra ação da Seduc é o ensino da Libras como segunda língua para alunos ouvintes, “Oferecemos esse curso no Centro de Atendimento ao Surdo, com uma carga horária de 240 horas, dividido em quatro módulos de 60 horas cada”, informou. De acordo com Lilian, se uma escola tem matrícula de um aluno para a educação especial, a Seduc tem que enviar os serviços que terão que ser ofertados a este aluno. “Nós temos 126 escolas com salas de recursos, 318 escolas, 127 salas de recursos multifuncionais atuando”, disse.
Para Lilian, a inclusão é importante para todos que estão envolvidos na comunidade escolar. “Não podemos negar o direito de uma pessoa de se desenvolver só porque ela tem uma deficiência ou autismo, por exemplo. Todos se beneficiam nesse processo e a escola tem essa obrigação torná-los em adultos ativos e cidadãos que vão ser atuantes na sociedade”, opinou. Segundo Lilian, as mudanças ao longo dos anos oportuniza alunos surdos a ingressarem no mercado de trabalho. “Hoje, os surdos estão atuando nos mais diversos setores de trabalho e em lugares de destaque”, pontuou.
Colégio 11 de Agosto
Tornar um ambiente de ensino acolhedor e facilitar a aprendizagem é um dos objetivos da Escola Estadual 11 de Agosto, colégio referência em educação inclusiva situado na capital sergipana. Lá, limitações físicas e mentais não são impedimento para crescer e aprender. A coordenadora de ensino, Alana Monteiro, informou que a escola atende um grande número de alunos com deficiência. “Pela manhã, a escola segue a metodologia de Educação de Jovens e Adultos (EJA especial). Temos alunos de 16 a 52 anos que nunca estudaram”, disse. Além disso, a escola tem ensino regular pela tarde, do 6º ao 9º.
Nas salas de laboratório de línguas e salas de recursos, apenas surdos são atendidos. “Nesse laboratório, temos o professor surdo, Geraldo Filho, que ensina a L1, que é a língua materna dos surdos, vindo no horário contrário das aulas regulares para o laboratório. Além do professor Geraldo, temos uma professora ouvinte formada em Língua Portuguesa para ensinar aos alunos o português escrito. Sendo assim, a segunda língua dos alunos surdos, a L2”, acrescentou. Já na sala de recursos a escola atende todos os alunos com outras deficiências e transtornos.
Ainda segundo a coordenadora de ensino, o grande desafio de gerir uma escola inclusiva é promover a equidade dos alunos e acolher as diferenças de cada aluno. A aposentada Tereza Cristina Santana Souza é mãe da aluna Mayra Santana e lembrou da trajetória da filha desde criança. “Mayra já concluiu o ensino fundamental, mas segue na escola, pois Mayra não é só surda, ela tem infantilidade, e aqui é uma escola que acolhe. Eu sou muito apaixonada pelo trabalho que eles realizam aqui”, disse, ao destacar a qualidade do laboratório de línguas e a sala de recursos. De acordo com amãe, graças ao trabalho que vem sendo realizado na escola, percebeu avanços no desenvolvimento da filha. “Ela já teve aulas em diversas escolas de ensino regular, mas quando ela chegou numa escola que ensina Libras o mundo se abriu para ela”, completou.
Por meio da língua de sinais, o professor de Libras Geraldo Filho explicou que é surdo e sempre trabalhou como professor da língua brasileira de sinais, mas no contexto de pessoas ouvintes. “No momento em que eu passei a ser inserido aqui na escola, muitas coisas ficaram claras para mim. Enquanto professor surdo, eu passei a ter um olhar diferenciado para com o aluno”, relatou. De acordo com o professor, ele passou a reconhecer dificuldades enfrentadas pelos alunos no dia a dia, uma delas é que em sua maioria as famílias são ouvintes, e em torno de 95% delas não sabem libras e essas crianças crescem sem ter a aquisição da língua.
O intérprete de Libras da Seduc, Edicarlos Santos, atua na área desde 2004 e informou que a Libras só foi reconhecida em 2002 no país. “Antes disso, chamávamos de língua de sinais, que era algo usado de qualquer forma. Depois do reconhecimento como língua, foi preciso a gente estudar a Libras e se aperfeiçoar”, explicou.
Alunos
Natural do município de Riachuelo, o aluno surdo, matriculado no 7º ano, Pablo Eduardo Santos percorre 30 km no transporte escolar para ir até a Escola Estadual 11 de Agosto, em Aracaju. Pablo explicou, por meio da língua de sinais, o quanto é acolhido e gosta da escola. “Quando eu cheguei aqui, eu era criança e aos poucos fui aprendendo a língua de sinais. Eu gosto muito das aulas do professor Geraldo. A gente aprende muito com ele e levo o que eu aprendi para minha casa”, se expressou. Também surdo, o aluno Marcos Wendel está no 9º ano e com uma grande carga de conhecimento. Segundo Marcos, foi por meio da língua de sinais que aperfeiçoou sua comunicação e tem bom relacionamento entre todos os colegas e sua família. “Hoje, eu consigo me virar bem na rua, como andar sozinho e pegar ônibus para me deslocar na cidade”, exemplificou.
Dia do surdo
De 18 a 22 de agosto o Colégio 11 de Agosto promoveu a ‘Semana da Acessibilidade’ para seus alunos e toda a comunidade escolar. Dentro dessa semana, a escola promoveu a ‘1ª Run de Surdos/SE’ no Parque da Sementeira na última sexta-feira, 22. A corrida foi para celebrar o ‘Dia do Surdo’, celebrado anualmente no dia 26 de setembro.
Data
A data celebrada nacionalmente, oficializada por meio da Lei 11.796/2008, foi definida em homenagem à fundação da primeira escola para surdos do Brasil, o Instituto Nacional de Educação para Surdos (Ines), em 1857, no Rio de Janeiro. Já a cor azul representa a resistência dos surdos, pois durante a Segunda Guerra Mundial as pessoas com deficiência, inclusive os surdos, tinham que usar um laço azul no braço para serem identificadas e encaminhadas aos locais de execução.