Artigo de opinião
25.06.2020*Josué Modesto dos Passos Subrinho
No próximo mês de agosto teremos a divulgação dos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), expressos em um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Como acontece desde 2007, a publicação dos resultados provocará variadas discussões, desde a impugnação do resultado como não representativo da complexidade do processo educacional até a acusação de fracasso dos diversos atores envolvidos, culminando com o julgamento da ação ou inação das autoridades políticas. Como os resultados são complexos, envolvendo diferentes etapas da educação básica, diferentes redes (escolas municipais, estaduais, federais e privadas) espalhadas por todo o território nacional, julgo ser conveniente preparar o possível leitor interessado em educação, mas sem qualquer formação de avaliação em larga escala e sem familiaridade prévia com os conceitos, para uma adequada compreensão dos resultados expressos em índices numéricos.
Certamente uma das conquistas da educação brasileira no século atual foi a consolidação das estatísticas e das avaliações de desempenho educacional. O Censo Escolar e o Censo do Ensino Superior, ambos realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP), têm permitido um amplo conhecimento sobre os estabelecimentos, estudantes, professores, e condições de funcionamento dessas instituições. No caso do Censo Escolar, realizado anualmente, o número de estudantes matriculados subsidia a operacionalização de importantes políticas públicas, programas governamentais e ações setoriais nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), servindo adicionalmente de base de dados para a redistribuição de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais de Educação(FUNDEB) entre o Estado e seus municípios, sendo que nove estados recebem complementação de recursos federais diretamente ao seu FUNDEB. Sergipe e Rio Grande do Norte são os estados nordestinos que não recebem essa complementação federal.
Ao lado dos Censos já mencionados, dois amplos processos de avaliação educacional são realizados: um do ensino superior e outro da educação básica. Concentrar-nos-emos na avaliação da educação básica.
A cada dois anos, desde 2007, o INEP contrata instituições responsáveis pela logística de aplicação de provas em todas as escolas públicas brasileiras e em uma amostra de escolas privadas. As provas de Língua Português e Matemática são respondidas por alunos matriculados no 5º e 9º ano do Ensino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio. Ou seja, são avaliados alunos que estão concluindo os chamados anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental e ensino médio. Os resultados aferidos nas provas são transformados numa escala de proficiência de 0 a 10, tanto para unidades escolares como para unidades administrativas (estados ou municípios) e por redes (municipal, estadual, federal ou privada). O citado resultado numérico da proficiência é multiplicado pela taxa de aprovação, que mede o fluxo dos alunos da turma, da escola, da rede, e assim sucessivamente, resultando no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. A taxa de aprovação é expressa numa escala de 0 até 1. Ou seja, se todos os alunos de uma dada turma tivessem sido reprovados ou tivessem abandonado a escola antes da conclusão do ano, a taxa de aprovação, ou o fluxo, seria zero e, portanto, nessa situação extrema, a proficiência, isto é, a nota aferida nas provas de matemática e português aplicadas pelo SAEB seria multiplicada por zero,levando a um IDEB zero. A outra situação extrema seria todos os estudantes serem aprovados, e neste caso, a taxa de fluxo seria igual a 1, que, multiplicado pelo índice de proficiência, resultaria em um IDEB igual ao índice de proficiência. Nas situações corriqueiras, o indicador de fluxo reduz o indicador de proficiência, visto que há estudantes reprovados ou que abandonam a escola. O resultado do fluxo é aferido no ano seguinte ao da realização da prova, quando se calculam quantos alunos do universo avaliado progrediram em suas séries/anos de estudos.
Um importante elemento de controle é que no mínimo 80% dos estudantes matriculados nas séries objeto do SAEB devem fazer a prova, caso contrário resultado não contará para o cômputo do índice da rede à qual a escola está vinculada. O objetivo é impedir a escola de selecionar os melhores alunos para a realização da prova, com o intuito de elevar seu IDEB. Por outro lado, se a aprovação automática, independentemente do aprendizado, tivesse se tornado uma política oficial ou oficiosa, o resultado do fluxo seria bom, mas não o da proficiência, que é aferida em uma prova padronizada de caráter nacional.
A seguir apresentaremos os resultados de Sergipe, comparando-se principalmente com os resultados do Brasil e, em alguns casos, de outros estados. Os dados primários são fornecidos pelo INEP, mas sugiro ao possível leitor o acesso ao site qedu.org.br, onde, após um cadastro simples, o leitor poderá acessar de forma muito interativa os mencionados dados e fazer proceder a vários cruzamentos.
Vejamos os resultados do IDEB referente aos anos iniciais do ensino fundamental da totalidade da rede pública de Sergipe. Neste caso, os resultados estão fortemente influenciados pelo desempenho das redes municipais, já que em 2018, por exemplo, elas respondiam por 80% do total de 139.093 alunos matriculados nas redes públicas.
Tabela 1. Sergipe. IDEB. Rede Pública
Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Anos | Proficiência | Fluxo | IDEB |
2007 | 4,29 | 0,74 | 3,2 |
2009 | 4,51 | 0,76 | 3,4 |
2011 | 4,58 | 0,79 | 3,6 |
2013 | 4,55 | 0,85 | 3,8 |
2015 | 4,97 | 0,83 | 4,1 |
2017 | 5,08 | 0,85 | 4,3 |
Os resultados parecem moderadamente bons quando olhamos o comportamento ao longo do tempo e da série do IDEB. Em todas as avaliações realizadas pelo SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) o IDEB cresceu. Entretanto, precisamos lembrar que o crescimento foi muito discreto, e que nos anos de 2007 e 2009 os resultados estavam acima da meta fixada para o Estado de Sergipe; em 2011 o resultado empatou com a meta e a partir de então ficou sistemática e ligeiramente abaixo da meta; ou seja, havia expectativas de resultado melhor. Quando olhamos os componentes do IDEB, vemos que a proficiência foi melhorando com o passar dos anos, com exceção de 2013, quando houve uma redução em relação a 2011. O outro componente, o fluxo, isto é, a taxa de aprovação, parte de um percentual baixo, apenas 74% dos estudantes concluem com êxito essa etapa de ensino, vai paulatinamente crescendo, com exceção do ano de 2015 quando há uma redução na taxa de aprovação dos estudantes em relação ao ano de 2013.
Para termos uma visão mais adequada do desempenho sergipano, é importante confrontá-lo com o resultado nacional, que pode ser visto abaixo.
Tabela 2. Brasil. IDEB. Rede Pública
Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Anos | Proficiência | Fluxo | IDEB |
2007 | 4,69 | 0,85 | 4,0 |
2009 | 5,04 | 0,88 | 4,4 |
2011 | 5,25 | 0,90 | 4,7 |
2013 | 5,33 | 0,92 | 4,9 |
2015 | 5,74 | 0,92 | 5,3 |
2017 | 5,94 | 0,93 | 5,5 |
Como se pode ver, comparando as duas tabelas, os resultados brasileiros começam acima do resultado sergipano e se mantêm sistematicamente acima do estadual. Examinados os componentes do IDEB brasileiro, podemos ver que em todos os anos há acréscimos em relação ao anterior no índice de proficiência. Quanto ao fluxo, também há melhoria constante com exceção do ano de 2015, quando se repete o resultado de 2013. Destaque-se nossa dificuldade em incrementar a taxa de aprovação dos estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental. Em relação aos nossos resultados, mesmo observando os acréscimos longitudinais, com exceção do ano de 2015, aqueles ainda estão muito abaixo da média nacional.
Talvez seja adequado comparar nossa trajetória com a de outro estado nordestino, o Ceará, que teve o melhor desempenho no incremento do IDEB nessa etapa da educação básica.
Tabela 3. Ceará. IDEB. Rede Pública
Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Anos | Proficiência | Fluxo | IDEB |
2007 | 4,20 | 0,84 | 3,5 |
2009 | 4,68 | 0,88 | 4,1 |
2011 | 5,12 | 0,91 | 4,7 |
2013 | 5,24 | 0,94 | 5,0 |
2015 | 6,00 | 0,95 | 5,7 |
2017 | 6,28 | 0,97 | 6,1 |
Os resultados cearenses, quando comparados com os de Sergipe ou do Brasil como um todo, mostram algumas diferenças importantes. Primeiro a intensidade do crescimento do IDEB entre os anos de 2007 e 2017. Enquanto o IDEB de Sergipe cresceu 34% no período, o do Brasil cresceu 37%, e, finalmente, o do Ceará, 74%, segundo a consistência dos resultados quando observamos os componentes do IDEB cearense. Tanto os índices de proficiência quanto os índices de fluxo são crescentes em todos os anos quando comparados com anos anteriores.
Finalmente, os resultados do Ceará se devem ao desempenho de políticas públicas recentes. Em 2007, o indicador de proficiência/desempenho dos estudantes cearenses da rede pública foi inferior ao de Sergipe e ao do Brasil. Quanto ao fluxo, isto é, a taxa de aprovação dos estudantes nos anos iniciais ensino fundamental, o Ceará já apresentava resultados melhores do que os de Sergipe e quase idênticos aos do Brasil. Enfim, Sergipe apresentava resultados muito próximos ao do Ceará em 2007, na avaliação, denominada Prova Brasil, que integrava o SAEB na época, dos anos iniciais do ensino fundamental. A partir de então tivemos trajetórias diferentes. O Ceará consolidou a educação como política de estado, mudando o formato e o objetivo da seleção dos dirigentes educacionais nos diversos níveis, adotando mecanismos ágeis de avaliação de resultados, com a estruturação de um sistema estadual de avaliação para acompanhamento e reequilíbrio das políticas e, finalmente, a adoção de incentivos que variaram das premiações de escolas e projetos até a mudança de redistribuição da quota municipal do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, tendo em vista resultados educacionais obtidos pelos municípios. Todos esses elementos estiveram ausentes na trajetória sergipana até muito recentemente.
O êxito cearense na educação básica pública, especialmente nos anos iniciais do ensino fundamental, já foi objeto de muitos estudos e certamente continuará despertando interesse. Muito mais do que provocar reflexões acadêmicas, este caso incita os gestores públicos a replicarem, com as devidas adaptações, em suas próprias jurisdições, servindo de inspiração para construir trajetórias de sucesso. Fica evidente que precárias condições socioeconômicas e material das escolas não podem explicar totalmente o insucesso. É possível alcançar bons resultados com persistência e objetividade nas políticas de promoção da educação. E efetivar as boas práticas, no âmbito da administração pública, longe de ser delituoso, é virtuoso. Pecado seria tentar inventar a roda em prejuízo de gerações que deveriam ter acesso a soluções testadas, aprovadas e aprimoradas ao longo do tempo.
[*] É secretário de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (Seduc) e foi reitor da Universidade Federal de Sergipe